Os cinco diretores da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) rejeitaram, por unanimidade, a
importação e o uso da vacina russa Sputnik V pelo Brasil. A decisão foi tomada
na noite desta segunda-feira (26). O imunizante é produzido pelo Instituto
Gamaleya, da Rússia. Os diretores do órgão se reuniram, de forma
extraordinária, para avaliar os pedidos de nove estados para a aquisição da
vacina.
O diretor da Anvisa, Alex Machado
Campos, que é o relator do pedido, considerou que o imunizante pode trazer
riscos à saúde. Além disso, foram apontadas falhas e pendências na documentação
apresentada pelo fabricante. Ele se baseou em pareceres técnicos de três
gerências da Anvisa, que fizeram uma apresentação no início da reunião.
"Para os pleitos ora em
deliberação, o relatório técnico da avaliação da autoridade sanitária ainda não
foi apresentado, os aspectos lacunosos não foram supridos, conforme as
apresentações técnicas. Portanto, diante de todo o exposto, verifica-se que os
pleitos em análise não atendem, neste momento, às disposições da Lei 14.124 e
da Resolução da Diretoria Colegiada 476, de 2021, razão pela qual eu voto pela
não autorização dos pedidos de importação e distribuição da vacina Sputnik V
solicitados pelos estados que já relacionamos", afirmou o diretor-relator.
O voto do relator foi seguido pelos outros relatores da agência.
A deliberação foi marcada dentro
do prazo estipulado pela Lei n º 14.124/21, e de acordo com a decisão do ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que determinou a análise
da questão dentro do prazo de 30 dias. Caso não houvesse essa análise por parte
da Anvisa, a vacina poderia ser importada.
Os estados que tiveram seus
pedidos avaliados pela Anvisa foram: Bahia, Acre, Rio Grande do Norte,
Maranhão, Mato Grosso, Piauí, Ceará, Sergipe e Pernambuco. Além desses, também
estão com pedidos pendentes de avaliação, ainda dentro do prazo, os estados de
Rondônia, Sergipe, Tocantins, Amapá e Pará, e os municípios de Niterói (RJ) e
Maricá (RJ). Ao todo, esses pedidos somam 66 milhões de doses, que poderiam
vacinar cerca de 33 milhões de pessoas, por meio de duas doses.
Antes da votação dos diretores,
gerentes de três departamentos da Anvisa apresentaram seus pareceres técnicos
contra a compra da Sputnik V. Os relatórios foram incorporados ao voto do
diretor-relator, Alex Machado Campos.
Vírus replicante
Em sua apresentação, o
gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes,
argumentou que os lotes analisados mostram a presença de adenovírus com
capacidade de reprodução no composto da vacina, o que traz riscos à saúde. A
tecnologia utilizada na fabricação da Sputnik V é a do adenovírus vetor. Por
meio dessa técnica, o código genético do Sars-Cov-2, que é o vírus da covid-19,
é inserido no adenovírus e este, ao ser administrado em seres humanos por meio
da vacina, estimula as células do organismo a produzir uma resposta imune.
O adenovírus é um vírus que
possui uma capacidade natural de replicação no corpo humano, mas quando
utilizado como imunizante, essa capacidade de reprodução deve estar
neutralizada, o que não teria ocorrido no caso dos lotes da Sputnik avaliados
pela Anvisa.
"Um dos pontos críticos,
cruciais, foi a presença de adenovírus replicante na vacina. Isso significa que
o vírus, que deve ser utilizado apenas para carregar o material genético do
coronavírus para as células humanas e promover a resposta imune, ele mesmo se
replica. Isso é uma não conformidade grave", disse Mendes. "Esse
adenovírus replicante foi detectado em todos os lotes apresentados da vacina
Sputnik",
Esse procedimento, explicou o
gerente-geral, está em desacordo com o desenvolvimento de qualquer vacina de
vetor viral, de acordo com os parâmetros de autoridades regulatórias dos
Estados Unidos e da União Europeia. Ele alertou que, uma vez no organismo
humano, o adenovírus replicante poderia causar viroses e se acumular em tecidos
específicos do corpo, como nos rins.
Documentação
Em outra avaliação, dessa vez
sobre as empresas que fabricam a vacina, a Gerência Geral de Inspeção e
Fiscalização da Anvisa informou que não foi apresentado o relatório técnico de
aprovação do imunizante russo para verificar o controle de qualidade na fabricação.
Por causa disso, a Anvisa
analisou documentos próprios e de outras autoridades regulatórias
internacionais e solicitou a realização de uma inspeção presencial em duas das
empresas que fabricam a vacina na Rússia, a Generium e a UfaVITA. A inspeção no
Instituto Gamaleya, que é o desenvolvedor da vacina, foi negada pelo governo
russo. Essa inspeção foi realizada ao longo da semana passada por três técnicos
enviados pela agência. Na visita, de acordo com a gerente de inspeção, Ana
Carolina Merino, foram constadas não conformidades na fabricação da vacina, que
impactam, entre outras, na garantia de esterilidade do produto.
"Neste momento, o risco
inerente à fabricação não é possível de ser superado, tanto para o insumo
fabricado pela Generium quanto pelos produtos acabados fabricados pela Generium
e pela UfaVITA, então a nossa gerência não recomenda a importação da
vacina", afirmou.
Em outro parecer, a gerente-geral
de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária da Anvisa, Suzie
Marie Gomes, afirmou haver falta de informações conclusivas sobre eventos
adversos de curto, médio e longo prazos decorrentes do uso da vacina, o que
prejudica a avaliação do produto. "Eu chamo a atenção também para que a
ausência de dados também é informação. A ausência de comprovação é considerada
uma evidência, e uma evidência forte, sobretudo quando temos uma estimativa de
população exposta ao risco que beira os 15 milhões de cidadãos", afirmou.
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